A loira do Bonfim – uma lenda urbana

Toda cidade que se preze tem ao menos uma lenda urbana. Em Belo Horizonte não poderia ser diferente. Roubo esta lenda do nosso bairro coirmão, o Bonfim, contíguo ao Carlos Prates e separado geograficamente apenas pela avenida Pedro II.

Roubo com propriedade, pois, na década de 1980, morei naquele bairro, mais precisamente na rua Sete Lagoas, esquina com a Jaguari, bem em frente ao cemitério, onde surgiu a lenda da loira do Bonfim. A história assombra o imaginário dos belo-horizontinos desde as décadas de 1940, 1950.

Descendente de italianos, José Lúcio Bonani é morador do Carlos Prates e integrante do grupo que trabalha em favor do bairro. É voluntário em serviços sociais

Apenas a título de curiosidade, o Bonfim foi planejado para ser o primeiro cemitério da história da então nova capital, inaugurada em 1897. Mas se tornou o segundo, pois operários que trabalharam na construção de BH morreram durante as obras e a futura cidade precisou de uma área para sepultar os mortos até que o Bonfim ficasse pronto.

O primeiro cemitério, onde foram enterrados cerca de 200 corpos, entre operários e familiares, ocupou o quarteirão que hoje é rodeado pela avenida Amazonas e ruas São Paulo, Tupis e Rio de Janeiro. Aquela calunga não existe mais. O lugar foi ocupado por edifícios. E não entrou para a história com a mesma importância do Bonfim.

Foto: Pierre Bonnereau/divulgação PBH

 

O cemitério mais famoso da cidade recebeu corpos de personalidades, como o de Raul Soares (1877-1924) e o de Olegário Maciel (1855-1933), “presidentes” de Minas Gerais, cargo equivalente ao de governador. Também o de Padre Eustáquio (1890-1943), cujos restos mortais, posteriormente, foram transferidos para o santuário do bairro que homenageia o beato holandês.

O Bonfim ainda é um importante museu a céu aberto, com esculturas sob túmulos e mausoléus assinadas por artistas italianos que chegaram a BH entre o fim do século 19 e o início do 20.

A loira do Bonfim, que já era um mistério há décadas, se tornou um suspense à moda Hitchcock nos anos de 1980, quando surgiu um programa na TV Alterosa chamado “O Povo na TV”, comandado por Dirceu Pereira (1941-2015). (O texto continua abaixo da publicidade)

Era um programa sensacionalista e se estendida pelas tardes mineiras. Havia vários repórteres com a missão de levarem ao telespectador, diariamente, uma polêmica. E, claro, estendê-la à exaustão. O Povo a TV, na ânsia de manter a audiência e o sensacionalismo, resgatou a lenda da loira do Bonfim. A polêmica rendeu diversos programas.

À época, diziam que a tal loira se vestia de branco e descia de um táxi, às 2h (madrugada mesmo), em frente à entrada principal do cemitério. Para desespero do taxista, ela tinha o poder de atravessar o muro para entrar no lugar. Se o pobre chofer sofresse do coração, cairia duro lá mesmo. Vale ressaltar que, nos anos de 1940 e 1950, a loira descia do bonde, cujo ponto final era no cemitério. Pela tradição oral, vários condutores se recusaram a trabalhar naquela linha à noite.

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Havia variações da lenda. Muitos diziam que a loira se vestia de noiva por ter sido abandonada pelo amado na igreja no dia do casamento e, inconformada, cometeu suicídio. Desde então, a alma vaga à procura do noivo.

Outra versão: ela aparecia para os homens na zona boêmia, seguia com eles até a sua casa, que, na verdade, era o cemitério. As histórias eram de arrepiar. E eu morando em frente ao cemitério… Não faltava quem me perguntasse se eu já havia visto a loira do Bonfim.

O assunto rendeu tanto que, por diversas vezes, a equipe de O Povo na TV se reuniu com várias pessoas numa espécie de vigílias à meia-noite no cemitério. Eu, mesmo descrente, aguardava o programa seguinte para saber se a loira havia dado o ar da graça.

Nunca deu. Mas não faltavam relatos de que apareceram vultos, sensações, uma atmosfera ruim, ruídos, barulhos de correntes etc. Também pudera: à meia-noite dentro de um cemitério. Depois, por causa de tanto sensacionalismo, as pessoas viam, ouviam e sentiam qualquer coisa. Era quase uma catarse.

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De qualquer modo, todo aquele suspense atendia ao propósito de garantir audiência ao programa. E tornou a loira do Bonfim a lenda urbana mais popular de BH, embora haja outras, como a do capeta do Vilarinho, mais recente e que também mereceu espaço na mídia na década de 1980.

Mas, afinal, a loira existiu ou não? E os testemunhos de sua aparição?

Como as aparições datam das primeiras décadas da capital mineira, é certo que há um mistério nesta história.
Mas, devido ao exíguo limite de linhas imposto pelo editor deste jornal, não poderei esclarecer neste momento o mistério que rondou (ou ainda ronda?) aquele cemitério. Concluirei no próximo programa, digo, na próxima matéria. Até lá, por favor, não passem às duas da madrugada em frente ao Bonfim. Abraços!

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