Eu, mulher
Eu, mulher (por Sílvia Prata*)
Eu sou assim, envolta em mil sonhos, mil pesadelos.
Sou o que sou e sonhei ser. Sou assim, de dúvidas, de certezas. Sou o avesso.
Sou assim desde sempre. Nasci assim e me tornei assim.
Sou um livro de auto ajuda, sou conselhos, sou dicas, sou receitas.
Sou a tese, a certeza e a dúvida.
Estou entre milhares, milhões. A natureza que se repete em diferenças.
E quando a vida que canta dentro de mim desperta, entro em êxtase e me desmancho, ora sorrisos, ora lágrimas.
E o inverso me faz mudar. Mudo de casa, de roupa, de música.
Uso vermelho, uso preto, brincos e pulseiras num dia e em outro uso cinza.
Mudo e desmudo, Só não mudo a ética.
Tenho grandes ideias, brilhantes, minha cabeça fervilha. Meus pensamentos se embolam e contorcem.
Sou o ouro, mas sou Prata.
Sou o sal e o açucar. Muito mais açucar com certeza, muito mel, muito doce com pimenta.
O azedo diante de injustiças, a dureza na crueldade.
Sou assim desde sempre.
A luta nas incertezas e a certeza na gratidão.
Não posso ser diferente disso. O comum me incomoda. A rotina me paralisa e o pra sempre é ontem.
A luz me fascina. Tenho medo da escuridão que me faz ver fantasmas, sombras e passados.
O espelho, a escova e o batom são o brilho da minha moldura viva que se desfaz na água quente, muito quente do chuveiro.
O salto, a bolsa, o óculos que se despem na facilidade da rasteira e do jeans numa noite qualquer.
Sou o beijo intenso, o abraço incandescente, o exagero em todas as formas. O amor e o ódio.
Sou o temporal.
Sou assim desde sempre.
Eu, mulher.
Mulher nas entranhas, no olhar, no pensamento.
Que brilha e ofusca, que apaga. Mulher que cria. Mulher criada.
Que morre e ressuscita todos os dias.
Uma morte lenta e premeditada, assim como faz toda mulher.
Sílvia Prata
Março de 2020