Se vivo fosse, o que Carlos Prates acharia do bairro que o homenageia?

Se vivo fosse, o que Carlos Prates acharia do bairro que o homenageia?

 (por José Lúcio Bonani) –

O engenheiro Carlos Prates, formado pela Escola de Minas de Ouro Preto em 1890, era o diretor da Repartição de Terras e Colonização, órgão submetido à Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que tinha objetivo de concentrar esforços no desenvolvimento e diversificação da produção agrícola da então nova capital.

Descendente de italianos, José Lúcio Bonani é morador do Carlos Prates e integrante do grupo que trabalha em favor do bairro. É voluntário em serviços sociais

Em 1898, instalou os cinco núcleos coloniais agrícolas na zona suburbana da Cidade de Minas, atual Belo Horizonte. Eram eles: Afonso Pena, Adalberto Ferraz, Bias Fortes, Américo Werneck e Carlos Prates.

Destes, apenas o do Carlos Prates manteve o nome original. Especificamente, a ex-colônia do Carlos Prates deu origem aos bairros Carlos Prates, Prado, Bonfim e Pedro II. (o texto continua após a imagem)

Córrego Pastinho antes de ser tampado pela atual avenida Pedro II. Imagem: internet

Penso que a primeira surpresa do engenheiro Carlos Prates seria constatar que o ribeirão dos Arrudas e o córrego do Pastinho, que delimitavam a ex-colônia, correm agora subterrâneos, retificados e sem a mesma importância que tinham na ocasião em que se plantavam batata inglesa, batata doce, cará, abacaxi, alho, cebola e verduras nas antigas hortas e pomares dos 150 lotes (310 hectares cada um) que foram concedidos, conforme o Regulamento dos Núcleos Coloniais, com prazo de pagamento em sete anos e carência de três.

A canalização destes córregos e a abertura das denominadas avenidas sanitárias foram importantes para a ocupação dos bairros que ali se instalaram posteriormente. O córrego do Pastinho ganhou emissários para que fossem despejadas as águas poluídas do bairro Carlos Prates.

Porém, se antes a canalização dos córregos era vista como de saúde pública e desafogava o tráfego de automóveis, atualmente esta prática é combatida pelos ambientalistas.

Quando canalizados e retificados, o curso d’água ganha muita mais aceleração do que se corresse naturalmente e, em consequência, durante uma tempestade, rapidamente transbordam e transformam as vias em verdadeiros rios, como ocorreu nas últimas enchentes.

O tamanho dos lotes atuais do bairro Carlos Prates também seria motivo de estranheza aos olhos do engenheiro, pois, originalmente, o traçado dos lotes deveria obedecer aos critérios de confrontação com estradas, caminhos e, principalmente, curso d´água, sendo bastante alongados.

Mas, atualmente, eles se encontram bem menores após sucessivos parcelamentos das terras, de maneira pouco ordenada, para serem vendidas principalmente aos novos imigrantes. Isso culminou com a desvalorização imobiliária do bairro Carlos Prates.

Não por acaso o bairro é bastante horizontalizado. Os lotes irregulares, na sua maioria, são insuficientes para a construção de prédios e, por consequência, o bairro permaneceu com vários casarios antigos e comércios apenas locais, suficientes para suprir a demanda de sua baixa demografia. (o texto continua após a imagem)

Bondes em BH / Crédito: Imagem: imagem de internet (José Lúcio Bonani)

Não sei se Carlos Prates andou pelos bondes que circularam pela antiga Estrada de Contagem, hoje rua Padre Eustáquio. Mas decerto se assustaria com as inúmeras linhas de ônibus que, somadas aos carros, trafegam hoje por aquela via.

Os bondes foram inaugurados em 1902 e circularam até 1963. A extensão da malha (mais de 73 quilometros) superou a do trem urbano, que hoje liga Eldorado ao Vilarinho. As linhas foram crescendo à medida da necessidade e passavam obrigatoriamente pelo abrigo de passageiros na avenida Afonso Pena, onde os passageiros poderiam pegar outra linha pagando apenas um tostão.

Só para exemplificar: a linha da Lagoinha foi criada em função dos trabalhadores da pedreira, atual Prado Lopes. Já a do Carlos Prates em função do seu adensamento populacional após 1920, quando se iniciaram os parcelamentos das chácaras e os moradores manifestaram por melhor infraestrutura.

Os bondes sofriam algumas intempéries, desde a garotada colocando sabão ou tampinhas de garrafas nos trilhos para que os bondes deslizassem e não conseguissem subir a rua Padre Eustáquio, por exemplo, até uma grave seca ocorrida em 1928, que paralizou grande parte daqueles veículos por falta de energia elétrica.

Além disso, os bondes circulavam sempre lotados. Eram 10 bancos para cinco pessoas cada. O restante se pendurava nos balaústres, com risco de acidentes com os postes distribuídos ao longo das vias.

Se ele não andou de bonde, certamente viajou no trem, pois este era o principal meio de transporte, até a década de 1950, para trajetos curtos e longos, inclusive sem o qual a nova capital não seria construída no tempo previsto.

A partir de 1950, a política de transportes priorizou a construção de rodovias e as ferrovias foram se agonizando, culminando com a sua privatização em 1996 e, nela, não constava o transporte de passageiros.

Ainda a partir da década de 1960, os concessionários de transporte coletivo já demonstravam seu poderio sobre o poder público, inviabilizando além do trólebus, que concorria com os coletivos urbanos, também as antigas linhas férreas do Barreiro-Matadouro (hoje bairro São Paulo) e de Rio Acima, alegando inviabilidade econômica.

Na gestão do prefeito Jorge Carone foram retiradas os trilhos dos ramais da antiga Rede Viária de Minas (RVM), que passavam pela Lagoinha e cruzavam várias ruas, provocando acidentes. Resta hoje apenas a linha férrea ao longo da avenida do Contorno.

Porém, Carlos Prates ficaria muito orgulhoso ao saber que o bairro já teve dois cinemas de rua, o São Carlos e o Azteca, antes mesmo da inauguração do Pathé, no bairro Funcionários, na zona urbana da nova capital.

Você pode saber mais sobre os cinemas da rua Padre Eustáquio lendo a matéria publicada neste Jornal (clique aqui).

Carlos Prates certamente era católico, como era comum naquela época. Nos meados dos anos trinta, toda a região era território pertencente à Paróquia de São Francisco das Chagas, em frente à praça de mesmo nome, confiada aos freis Franciscanos, no bairro Carlos Prates.

O desmembramento da Paróquia ocorreu em 1940, coincidindo com a chegada de Padre Eustáquio. A igreja São Francisco, durante o regime militar, foi também palco de controversas reuniões subversivas. Mas isso é um assunto, ou melhor, uma polêmica para outra matéria…

Enfim, Carlos Prates encontraria um bairro totalmente modificado, desvirtuado das suas funções iniciais de suprir a nova capital de alimentos e ainda sofrendo pela falta de planejamento urbano desde sua implantação como núcleo colonial. Como resquício da sua época, talvez, encontrasse alguns descendentes dos colonos pioneiros que se lembrem saudosamente de alguns fatos que foram relatados aqui.

Abraços e até a próxima.

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